Adam Phillips citou em um livro "As pessoas procuram tratamento psicanalítico porque o modo como estão lembrando não as libera para esquecer". Exatamente. Muitas vezes o que nos impede o avanço é uma lembrança lembrada de forma errada, que nos acorrenta ao passado, estanca, e faz parar no tempo. Buscamos conselhos, pedimos pra Deus nos ajudar a esquecer o amor mal resolvido, a briga com o amigo, a fase ruim, as palavras que ferem. Quando na verdade o certo não é esquecer, e sim lembrar corretamente. Aí, sim: lembrando corretamente, a ânsia por esquecimento poderá até ser dispensada, não precisaremos esquecer nada. E, não precisando, vai ver até seja esquecido.

Essas tal lembranças mal lembradas que nos deixam inquietos. A boneca que você tanto quis, e seu pai esqueceu de comprar. Sua mãe, que prefere seu irmão mais novo. Sua amiga, que sabia de todos os seus segredos mais íntimos, roubou seu namorado. E aquele grande amor, te causou tanta mágoa quando chegou ao fim, tanta decepção, e você não esquece, por raios, passaram-se meses e você não esqueceu. Essas lembranças vão se infiltrando, ganhando força e tamanho, evoluem para algo completamente alheio à realidade. Nossa percepção nunca é 100% confiável.

Talvez a ausência daquela boneca não era tão emergencial. E pra ser sincera você nem gostava tanto assim daquele namorado que sua amiga furtou-lhe (aliás, estão juntos até hoje, a para um alívio não foi só um capricho dela). Sua mãe tratava filhos de forma diferentes, talvez porque cada filho seja de um modo, cada um precisa de determinada quantidade de amor, quando você tiver filhos vai entender que isso não é desamor. E aquele cara, tão perfeito, um verdadeiro príncipe que você esperava, com defeitos e qualidades sob medida pra você, perfeito sem tirar nem pôr. Para e pensa, o coitado era só um ser humano, não coloque tanto peso sobre as costas dele, ele nem sempre vai acertar.

Adam Philips tem razão. Nossas lembranças precisam de rota, correção, exatidão, amadurecimento - não que essas coisas sejam fáceis. Infelizmente não são. Sempre costumamos lembra com raiva, desprezo, ironia, saudade, lembramos com exagero. Não dá pra negar, sorte quem consegue a astúcia de lembrar correto.